Por décadas, o número 9 da Seleção Brasileira carregou um significado que ia muito além de uma camisa: era a consagração do instinto, da arte e da autoridade dentro da área. Foi o território de Romário, o domínio de Ronaldo Fenômeno, o grito bruto de Adriano Imperador, o momento de glória de Luís Fabiano, e até o lampejo breve de Fred. O centroavante era o homem que resolvia. Hoje, porém, essa função parece vaga, e a escassez de gols evidencia uma crise sem precedentes na posição que um dia definiu o Brasil como o país do futebol.
Um retrato em números
No ciclo iniciado após a Copa de 2022, 12 centroavantes já vestiram a camisa da Seleção. O cenário é desolador: entre todos, apenas Endrick soma mais de dois gols, sendo três, em 14 partidas, com um gol a cada 129 minutos. Mesmo sem atuar há meses, por conta de lesões e falta de espaço no Real Madrid, o garoto de 18 anos segue como o artilheiro da posição no ciclo.
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Os dados reforçam que o problema é coletivo, não individual. Richarlison, o último “9” que empolgou o país (com golaços e lágrimas na Copa do Catar), acumula agora 12 jogos sem marcar após passar o confronto contra o Japão na última terça-feira (14/10) em branco. Gabriel Jesus, que parecia herdeiro natural do posto em 2018, deixou de ser goleador desde o ímpeto que teve na Copa América de 2019. E Matheus Cunha, atualmente no Manchester United, soma um gol em nove jogos, ainda assim a melhor média entre os concorrentes recentes (um gol a cada 353 minutos).
O peso da camisa 9
Os números são simbólicos. Em 14 jogos de Endrick, o Brasil fez mais gols com ele em campo do que com todos os outros centroavantes somados. Não por mérito exclusivo do jovem, mas porque o dado escancara o colapso da função. O centroavante brasileiro, antes um predador natural, hoje parece espécie em extinção.
Endrick surgiu como a promessa que poderia quebrar esse ciclo. Marcou gols decisivos nos amistosos contra Inglaterra, Espanha e México, e parecia destinado a liderar a nova geração. Mas as lesões musculares no Real Madrid e a adaptação difícil o colocaram num ostracismo precoce, rareando minutos e confiança.
A comparação com Cunha, por sua vez, expõe um contraste de estilos. O atacante do United vem ganhando espaço com Carlo Ancelotti, não pelos gols, mas pela inteligência tática e mobilidade. Como o próprio técnico explicou.
“É muito importante saber como sair jogando. O Cunha ajuda bastante na saída de bola, é muito móvel e não fixa a posição dos adversários. Quando a equipe adversária pressiona intensamente, ele se torna ainda mais relevante”, disse o italiano.
O problema é que, na essência, Cunha não é um nove clássico. Sua função é abrir espaços, criar jogadas, conectar o meio e o ataque. Mas o Brasil ainda carece daquele que define, o homem do último toque, o executor.
Da glória à escassez
A queda é também simbólica. De Romário e Ronaldo, gênios que redefiniram o gol, a Richarlison, que vive um abismo técnico e mental desde o Catar. O camisa 9 do Tottenham foi de um dos nomes da Copa a um atacante sem confiança. Como se o peso da posição, e o vazio que ela carrega, tivesse cobrado seu preço.
Gabriel Jesus e Richarlison parecem ter encerrado seus ciclos. Nenhum sustenta o protagonismo, tampouco a regularidade que o comando técnico exige. João Pedro e Igor Jesus ainda tentam mostrar serviço, mas vivem sob o mesmo diagnóstico: falta eficiência, falta o “instinto brasileiro” do centroavante.
A esperança (ou o último suspiro)
Diante desse cenário, Ancelotti busca saídas. Talvez, o tão sonhado retorno de Neymar supra esse problema como uma solução alternativa. Caso o camisa 10 recupere o ritmo e o físico, o treinador pode optar por reposicioná-lo como falso nove, explorando sua capacidade de flutuar entre as linhas, mas mantendo-o mais próximo da área. Essa função o protegeria das faltas no mano a mano e, ao mesmo tempo, devolveria ao ataque a figura de um jogador que decide em um toque.
Enquanto isso, o destino da posição parece depender de dois caminhos: o renascimento de Endrick ou a consolidação de Matheus Cunha. O primeiro ainda é o símbolo da esperança; o segundo, o retrato da adaptação a um novo modelo tático.
O Brasil, que por décadas teve no “nove” o seu maior patrimônio esportivo, agora busca não apenas um goleador, mas uma identidade. A camisa segue sagrada, mas falta alguém capaz de fazê-la pesar novamente.
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